Os difamadores de Paulo também alegavam que ele não possuía autoridade
como um apóstolo. Paulo responde a isso mencionando outro acontecimento quando
ele havia se encontrado com Pedro. Paulo mostra que tinha autoridade suficiente
para repreender aquele que era reputado como o principal apóstolo. Ao mesmo
tempo, Paulo lida com a questão que dizia respeito a crentes judeus, se
deveriam ou não guardar a lei. O acontecimento anterior havia mostrado que
crentes gentios não deveriam ser
colocados sob a lei (vs. 1-10), mas a questão ainda permanecia quanto aos
crentes judeus, se deveriam estar
debaixo dela. Essa questão é endereçada no terceiro encontro com Pedro onde
Paulo mostra, conclusivamente, que crentes judeus também não deveriam estar
debaixo da lei.
Vs. 11-13 – Algum tempo depois
do concílio de Jerusalém de Atos 15, Pedro foi à Antioquia e encontrou os
crentes judeus comendo livremente com os crentes gentios. Ele sabia que esta
era a ordem de Deus e ajuntou-se a eles, porque “a parede de separação que estava no meio” de judeus e gentios
havia sido derrubada (Ef 2:14). Mas quando chegaram certos homens de Jerusalém,
da parte de Tiago, Pedro “se foi
retirando, e se apartou deles, temendo os que eram da circuncisão”. Outros,
incluindo “Barnabé”, se deixaram “levar pela sua dissimulação”. Pedro
sustentou a verdade do evangelho em palavra no concílio em Jerusalém (At
15:7-11), mas, na hora de praticá-la, Pedro fez o contrário. Ele falhou ao
negar a verdade que ensinava pela sua conduta. Algumas Bíblias traduzem “dissimulação” como “hipocrisia” – e isso é exatamente o
que estava acontecendo. A raiz da falha de Pedro estava em que ele queria ter sido
considerado por aqueles que tinham reputação em Jerusalém. Ele temeu perder o
respeito deles e isto o levou a dissimular. O fato de que ele possuía a posição
de um apóstolo fazia da ofensa algo muito mais sério. Quanto mais um homem é
honrado, tanto maior pedra de tropeço ele será para outros se vier a falhar.
Foi exatamente isso que aconteceu: “E os
outros judeus dissimulavam com ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar”.
O livro de Provérbios diz: “O receio do
homem armará laços” (Pv 29:25). Pedro certamente caiu nesse laço e isto o
levou a comprometer princípios.
V. 14 – Isso precisava ser
tratado imediatamente. Paulo percebeu que a verdade do evangelho estava em
jogo, talvez de uma maneira mais séria do que Pedro percebia. Uma falha pública – especialmente uma que
influencia e afeta outros – requer uma repreensão
pública (1 Tm 5:20). Paulo, portanto, perguntou a Pedro diante de todos: “Se tu, sendo judeu, vives como os gentios,
e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus [a se judaizarem – JND]?” Ao recusar-se comer com os crentes
gentios sua ação implicava em que, para a santidade, eram necessárias as
observâncias dos costumes e das leis judaicas. E se isto fosse verdade, então
depois de tudo, os gentios precisariam de fato estar debaixo da lei para que
pudessem estar adequados para a comunhão com crentes judeus. Com efeito, Pedro,
por meio de suas ações, estava compelindo os gentios a se “judaizarem”. Este era o mesmo erro que os mestres judaizantes
estavam propagando na Galácia e, portanto, a repreensão de Pedro feita por
Paulo continha uma repreensão implícita para os gálatas.
Pode parecer como algo pequeno simplesmente recusar comer uma refeição
comum com crentes gentios, mas no fundo disso a “verdade do evangelho” estava sendo comprometida, e haveria grandes
consequências práticas que colocariam em perigo a comunhão dos santos. Se as
ações de Pedro seguissem sem que fossem contestadas, um círculo interno dentro
da comunhão dos santos teria se desenvolvido – um tipo de aristocracia entre os
irmãos. Criar-se-ia uma igreja dentro da Igreja. Isso implicava que existia
algo como santidade e posição espiritual superiores entre os santos, e se os
santos gentios quisessem ser admitidos neste círculo, teriam que se judaizar e
obedecer aos requerimentos de Moisés. Isso é o que legalismo entre Cristãos frequentemente
produz – um grupo de elite se desenvolverá dentro da comunhão dos santos.
Tratava-se de algo divisório que precisava ser abordado imediatamente.
Pedro sabia muito bem disso porque o Senhor havia ensinado o contrário a
ele quando estava no terraço de Simão, o curtidor. O Senhor havia a ele dito: “Não faças tu comum ao que Deus purificou”
(At 10:15). Como todos às vezes fazemos, Pedro não viveu à luz da verdade que
conhecia. Sua conduta revelava uma persistente convicção de superioridade dos
judeus sobre os gentios. Isso mostra que enquanto os judaizantes haviam sido
derrotados no concílio dos apóstolos em Jerusalém, a respeito de acrescentar a
lei ao evangelho, o fermento do legalismo ainda estava operando na Igreja
Cristã.
Vs. 15-18 – Nos versículos
restantes do capítulo, Paulo registra um resumo de sua argumentação com Pedro
quanto à lei em relação ao crente (A maioria dos expositores assumem que os
versículos de 15 a 21 foram ditos a Pedro). Isso é apresentado aqui porque
declara a própria essência de sua doutrina e atua como uma introdução para os
próximos capítulos (3-4), onde ele expõe a verdade da justificação.
Paulo fez a Pedro uma segunda pergunta que expunha ainda mais a
inconsistência de seu comportamento. Ele disse: “Nós, judeus por natureza, e não pecadores das nações, mas sabendo que
um homem não é justificado sobre o princípio de obras de lei, mas pela fé de
Jesus Cristo, nós também temos crido em Cristo Jesus, para sermos justificados
sobre o princípio da fé de Cristo; e não de obras de lei; porque sobre o
princípio de obras de lei nenhuma carne será justificada. Agora se ao
procurarmos ser justificados em Cristo, nós somos também achados pecadores, é
então Cristo um ministro de pecado?” (Gl 2:15-17 – JND). O ponto de Paulo
aqui é que, se Pedro estava correto ao retornar à lei, então Cristo o havia
guiado incorretamente ao recusar a lei em Atos 15. Mas isso era impossível; o
Senhor não guiaria uma pessoa a fazer ambas as coisas. Paulo pergunta a Pedro:
“Você está dizendo pelas suas ações que Cristo é um “ministro de pecado”? Paulo repele tal conclusão dizendo; “de maneira nenhuma”. O verdadeiro
pecador ou transgressor não era Cristo, mas Pedro! Qualquer que fosse correto –
abrir mão da lei ou retomá-la – uma coisa era certa, Pedro estava errado em um
dos dois casos. Se Pedro estivesse certo agora (em retornar às observâncias
legais), então suas ações anteriores estavam erradas. Se suas ações anteriores
estivessem corretas, então ele estaria errado agora. Em qualquer um dos casos,
ele permanecia como um transgressor.
Além da verdade aqui em questão, esta passagem efetivamente refuta a
noção de que Pedro era o líder infalível da Igreja, como os católicos romanos
ensinam. Pedro claramente errou aqui. Há uma lição para nós nisto: não devemos
supor que pelo fato de um homem ser um líder em meio ao povo do Senhor, e
honrado, que ele está sempre certo. Líderes também podem falhar.